Nesse último final de semana, enquanto relia meu post anterior, percebi o quanto meu artigo pareceu demasiadamente defensor do ponto de vista “Pró-vida”, embora esta não seja minha posição pessoal em relação ao tema.
Num período onde as massas estão cada vez voltando-se mais às religiões mainstream, e a Igreja por sua vez, aproveitando-se de sua ampla influência, publica nova lista de pecados capitais no qual existe explicitamente um item sobre a pesquisa da célula-tronco, fico a me perguntar se tamanha pressão midiática/religiosa não está afetando a parte irracional do meu cérebro e assim me levando inconcientemente a defender de forma sutil idéias as quais na verdade discordo.
Se eu (e a grande maioria de nós, acredito) tivesse algum problema físico o qual a pesquisa com células-tronco beneficiasse diretamente, não tenho dúvidas que não hesitaria em doar meu semêm para o primeiro banco de embriões que aparecesse. É por esse motivo que não acho de muito crédito apresentar na mídia pessoas com deficiencia física defendendo tais pesquisas. Porém, no íntimo, saberia exatamente o que meu ato representaria: a futura destruição de um diminuto ser de minha espécie.
É dificil dormir quando sabe-se que teve uma melhora de vida as custas de outro ser. Porém, não podemos ser hipócritas, algo parecido já acontece todo santo dia no momento em que nos alimentamos.
Não há dúvidas que os embriões congelados nos diversos laboratórios pelo mundo são viáveis, como nos demonstram tantos artigos a respeito, restando-nos a perguntar porque tais embriões devem então ser usados para a pesquisa e os demais não.
Será que tais embriões congelados poderiam assim ser classificados como indesejáveis, nos dando permissão irrestrita a fazer o que bem quiser com eles?
Isso assusta, pois parece a época em que os homens (inclusive a Igreja) justificavam a escravidão do negro/índio no Brasil como sendo devido a “natureza de sub-espécie e quase animalesca” de tais indivíduos (tantas vezes retratado na coleção Terra Brasilis). São estes embriões então sub-espécie humana?
Em contra partida, existem aqueles que acreditam na pós-vida dos embriões, sugerindo que estes não são realmente destruidos pela pesquisa na tentativa de minimizar o problema. Porém, acho esta idéia particularmente pouco científica, sendo uma posição quase que apelante ao sobrenatural.
Mas, a despeito disso tudo, o que realmente faz afastar minhas recaídas “Pró-vida” e me re-aproximar da idéia “Pró-escolha” é lembrar de como se deu o progresso da medicina no mundo.
Para quem leu o livro As Dez Maiores Descobertas da Medicina, de Friedman/Friedland, sabe, por exemplo, que a grande maioria das principais descobertas se deram a partir de alguma abnegação particular, seja ela física, religiosa, ou ideológica, de uma geração de heróicos humanos.
O exito, por exemplo, quase que total das incontáveis cirurgias realizadas a cada dia nos hospitais pelo mundo resultam diretamente do conhecimento pleno do homem de sua anatomia. Esta, por sua vez, advém da pesquisa em cadáveres que se deu no inicio da era moderna da medicina.
Se não fosse a doação, consensual ou não (como visto no livro supracitado, onde os estudiosos frequentemente roubavam corpos), que essa geração fez de seus cadáveres (tão místicos e sagrados para eles), ainda estaríamos numa era obscura sobre a natureza do corpo humano.
Será que não é nossa hora de sermos também altruístas e doarmos algo que nos é caro em prol das gerações futuras?
Ao permitirmos tais pesquisas, por mais dolorosas que nos sejam, estamos contribuindo para o êxito de nossa espécie e cumprindo nosso papel de deixarmos um legado para as próximas gerações. Não sejamos então meros e preguiçosos aproveitadores dos frutos do legado passado (quem leu Quem Mexeu no Meu Queijo sabe do que estou falando).
É por tantas e outras que tento evitar minhas recaídas medievais.
Parafraseando um verso do grande poeta Cazuza:
- “Será que sou medieval? Baby, eu me acho um cara tão atual… na moda da nova idade média… na mídia da novidade média…”